quarta-feira, 26 de março de 2008

Coração de jornalista



Costumo dizer que a profissão de uma pessoa diz muito sobre a sua personalidade. Salvo em alguns casos, o comportamento que uma pessoa tem em horário comercial sempre se reflete na vida pessoal. Tudo bem que nem todos os médicos são saudáveis, personal trainers magros ou padres pedófilos, mas sempre gostei de generalizar as coisas e dessa vez não farei diferente.

Embora ainda não seja um jornalista de diploma, e nem conheça muitos que sejam, convivo com dezenas de pessoas que enxergam nessa profissão um caminho para seu futuro e outras dezenas que já desistiram de ver algum futuro, mas não sabem fazer nada além de escrever e beber quase todos os dias, então persistem. O grande problema dessa profissão decorre exatamente de um dos seus objetivos primários: ser objetivo.

Quando estudantes de jornalismo, somos impelidos a ser sempre objetivos, afinal, nunca teremos o espaço que gostaríamos para escrever ( Quer dizer, a menos que seja um espaço como esse, onde ninguém nos paga) de modo que temos que aprender a escrever menos, mas com a mesma quantidade de informação, que é o que nossos professores costumam chamar de “objetividade”. “Vá direto ao ponto e pare de historinha” costumam dizer. Para isso existem obviamente regras pragmáticas que possibilitam esse “enxugue”, e que não vale a pena serem explicadas aqui, a menos que você queira aprender jornalismo, coisa que eu duvido e que sua mãe não aprovaria. O grande problema é quando o uso dessas técnicas desenvolvidas no ambiente acadêmico são usadas no cotidiano, o que é inevitável, e nos pegamos agindo como jornalistas, ao invés de pessoas normais. Alguns desses “tiques” não costumam gerar ruídos em relações interpessoais, pelo menos não na maioria das vezes, pois as vezes eu sinto que posso ser meio indiscreto demais, mesmo com pessoas desconhecidas.

Eu _Ah, seu namorado terminou com você? Como aconteceu?

Uma amiga _Ah, eu vi ele com outra menina... (com olhos tristes)

Eu _ Mas ele estava fazendo o que?

Ela_Estava conversando com ela...

Eu _Mas então não pode ser que eles fossem apenas amigos?

Ela _Não...

Eu _Mas porquê?

Ela _Porque não ( já meio irritada)

Eu _Então não estavam só conversando

Ela _ Não, ele tava beijando ela, entendeu? ( já com cara de “Se toca”)

Eu _ Ahhh....
Muito depois percebo que no momento eu fui meio inconveniente, mas obtive a informação inteira, ou pelo menos um lado dela. Ainda tenho o freio de não ligar para o rapaz e pedir a versão dele, como manda o bom jornalismo, e acho que por isso ainda tenho alguns amigos.

Com relação à objetividade, porém, grandes problemas podem ser gerados, principalmente no que se diz respeito no trato às mulheres. Não que jornalista seja indelicado, bruto ou algo do tipo. Pelo contrário! A maioria deles são geralmente educados, inteligentes e articulados. Porém, são objetivos. Está afim? Que bom! Não está? Ótimo! Sem drama, sem historinhas, como deve ser.

Hoje de manhã tive um grande exemplo de possíveis problemas com o uso da objetividade. Um colega de redação, que tinha sido convidado para viajar com uma menina, mas não estava com vontade. Afim de decidir rapidamente a questão, uma vez que tinha prometido pensar havia duas semanas e ainda não respondera, decidiu usar o E-mail para findar com o compromisso. Impessoal? Sim, meio frio? Com ressalvas, uma vez que um E-mail bem escrito tem a mesma eficácia das antigas cartas de amor, mesmo com a ausência da espera pelo carteiro, figura romântica de intermediação. Nesse caso, contudo, não foi bem assim.

Na faculdade, aprendemos como uma das regras de objetividade, o sistema de “Lead”, onde todos as informações principais estão inseridas no primeiro parágrafo, para dar mais agilidade à leitura. Claramente o sistema destoa completamente do tom de uma carta pessoal, endereçada a alguém a que se tenha algum interesse amoroso ou qualquer coisa relacionada. Mas sem isso ou talvez nada na cabeça, ele o fez. E fez com o que meu professor costuma chamar de “Lead trovão”, Curto e grosso!

“Fulana de tal”, não vou!

Cinco palavras e um ponto de exclamação. Claro, isso foi só pra começar, tiveram mais dois parágrafos de documentação, o primeiro dizendo o porque de não ir e o segundo fazendo projeções para o futuro, no caso dele, otimistas demais. 1500 caracteres e estava desmarcado. Só faltou a foto pra manchete.

Sempre exaltam que o que importa é seguir o coração. Meu professor sempre diz que devemos ter o jornalismo coração, e pelo visto o dele também.

Um comentário:

Sophie González disse...

Adorei o post, continua assim!


Beijos