quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Metropolitano

Se andar de ônibus é um terror para os cidadãos de São Paulo, é por falta de andar de Metrô. Atualmente, a cidade conta com cerca de 60km de trilhos cruzando a cidade de ponta a ponta. Obviamente é muito menos do que cidades de primeiro mundo como por exemplo Londres (415km), Nova Iorque (368km), Madri (317km), ou qualquer uma das 37 outras – algumas com menor extensão territorial que a nossa - , segundo dados entregues pelas próprias empresas de “metropolitanos”. Por outro lado, é um tamanho respeitável se levarmos em consideração que em Israel existem apenas 1,8km de linhas, algo como da minha casa até a locadora, adicionando a isso que o perigo de que ter um carro bomba na minha vizinhança é quase nulo (quase, porque vivo na zona leste), São Paulo está muito bem de Metrô, obrigado! Ao todo as linhas se dividem em 4 linhas, a 1 a 2 a 3 e a 5 (?), sim, batizaram a quarta de cinco, em algum método heterodoxo de batismo utilizado pelos engenheiros. Não só o batismo foi heterodoxo, a construção da quarta linha “cinco” também foi; instalada do “Largo 13” ao “Capão Redondo”, sem interligação com nenhuma outra, vive vazia, indo e voltando do fim do mundo a lugar nenhum. Para facilitar a vida da “peãozada” que as utiliza, cada linha foi nomeada com uma cor, respectivamente “Azul”, “Vermelha”, “Verde” e “Lilás”, um sistema de cores alegres, diferente do humor daqueles que são obrigados a usá-las. Dessas quatro, as piores são a “Azul” e “Vermelha”, que cobrem de norte a sul e leste a oeste, respectivamente; e entre essas duas, a vermelha é de longe a pior, e a que obviamente eu pego todos os dias. No horário de saída do trabalho e entrada de escolas e universidades, conhecida como “hora do rush” o caos se desenrola diariamente e ninguém que dependa desse meio de transporte deixa de sentir as conseqüências. Saindo nesse horário do Ipiranga (Zona Sul) para se chegar ao Tatuapé (Zona Leste), um trecho que pode ser percorrido em cerca de 30 minutos de carro, um sujeito normal levará cerca de 1 hora e 30 minutos usando esse magnífico sistema de transporte. Imaginando você que nunca tenha usado esse sistema e tendo como ponto de partida é a estação Imigrantes, linha Verde. De lá, você deverá seguir no sentido Vila Madalena por duas estações até a “Ana Rosa”. Até esse ponto, o sujeito se sentirá em um transporte de primeiro mundo, com estações bonitas e vagões com lugares disponíveis para se sentar. Ao descer na Ana Rosa, primeiro susto. Amontoados, todos que desceram do mesmo trem que você tentam subir uma escada, que por sua vez também é o caminho de outros que tentam descer, pois as duas direções da linha verde ficam no mesmo “andar”. Nesse ponto, você ficará assustado, mas não se preocupe, procure alguém mais “largo” que você e posicione-se logo atrás, na posição de “vácuo”, de modo que o rapaz abra caminho entre os passantes e te deixe em uma situação ligeiramente confortável. Depois de subir um lance, virar à esquerda e descer outro, lembrando de se manter atrás do rapaz corpulento, você deverá pegar a linha da esquerda – sentido Tucuruvi -, isto é, entrar na fila que leva a ela, composta de mais ou menos 10 pessoas, todas com a mesma pressa que você. Algumas delas não têm noção de espaço e acreditam piamente ser possível passar cinco pessoas paralelamente por um espaço menor que dois metros, o que significa que você será espremido entre outras 4 ou entre elas e a porta, recomendo a primeira opção, carne é mais macio do que aço. Depois de entrar, você terá cerca de 4segundos e meio para se acomodar, antes que o acomodem tacitamente. Sugiro que corra para o corredor, parte onde você terá mais ou menos 1 palmo de distância entre uma pessoa à sua frente, uma às suas costas e duas outras, cada uma de um lado, o que te possibilitará pelo menos levantar ou abaixar o braço quando achar necessário. Daí em diante será só relaxar, você terá cinco estações para percorrer. Na quarta – Liberdade -, comece o processo de saída, se posicionando para uma saída em linha reta pela porta esquerda. Deixe de fora da sua trajetória pessoas com grandes bagagens ou pessoas com 70 anos ou mais, que possam ser eventualmente mais lentos do que a maioria, terminando atropeladas pela turba furiosa. Posicionado e pronto, você ouvirá o sinal que serve como o levantar da arma do juiz nas provas de natação; que dará inicio ao momento de grande suspense antes do clímax:”Próxima estação: Sé, desembarque pelo lado esquerdo do trem”. Quando ouvir essa frase, normalmente dita em tom de tédio pelos auto-falantes, se prepare, pois será exigida uma grande agilidade e audácia da sua parte. A hora que o trem parar, conte até dois e saia andando de lado, tal qual um caranguejo, de modo a diminuir o seu “arrasto corporal” (a menos que você tenha uma barriga muito proeminente, se tiver, vá arrastando mesmo), até atingir a porta, onde novamente será esmagado junto a outros quatro passageiros. Nesse momento, o que importa é sair, pois em poucos segundos o sinal tocará e se ficar para dentro, terá que pegar o trem de volta, repetindo todo o processo. Uma vez fora do trem, siga em direção à escada que leva ao sentido “Corinthians-Itaquera”, se não encontrar indicação, simplesmente siga a massa, pois cerca de 80% do contingente que sair do mesmo trem que você seguirá para esse destino, o que significa que desde o pé da escada que o levará para a plataforma, todos os caminhos estarão entupidos de gente, use a mesma tática do metrô Ana-Rosa, se posicione atrás de alguém mais roliço que você e poupe-se do terrível trabalho de ter que abrir caminho. Ao chegar à plataforma, não se assuste, tenha em mente que é um dia comum e que aquelas milhares de pessoas não irão te esmagar, pelo menos não de propósito, e encaminhe-se para qualquer um dos locais que dão acesso aos vagões. Devido à grande quantidade de usuários se espremendo, uma das grandes invenções do sistema paulistano de metrô é a cerca que percorre um caminho em “S”, da plataforma à porta do vagão, feita em aço inoxidável, de modo a “guiar” melhor, como os peões fazem com as vacas na fazenda. O intervalo de tempo que levará entre adentrar nesse “caminho” e efetivamente entrar no vagão, levará mais ou menos o intervalo de 3 trens, ou coisa de 10 minutos, onde mais uma vez você será espremido por todos os lados contra outras pessoas ou contra os canos de aço do “caminho”, a escolha é sua. Se tiver sorte, a pessoa que estiver à sua frente será a ultima a se espremer em um vagão, o que o deixará na ponta da fila para o próximo trem. Embora os funcionários do metrô te aconselhem, você perceberá que é impossível esperar antes da linha amarela e que se alguém atrás de você na fila espirrar, você será atropelado por uns 20 vagões a 80km/h, mas tente manter a calma. Quando o trem vier, não fique olhando para frente, pois a velocidade com que ele passa poderá te dar vertigem, então olhe para cima ou para a cara de espanto da pessoa ao lado; se ela olhar, ensaie um sorriso do tipo “Que merda hein?”, que provavelmente ela corresponderá. Pessoas juntas nesse tipo de situação tendem a ser amistosas. Quando finalmente ele parar, novamente conte até dois para as portas abrirem e corra em direção ao corredor como se o próprio Satanás estivesse em seu encalço, e não as outras pessoas da fila, crias dele. Se atingir o corredor, ótimo, parabéns. Se não, segure-se em alguma das barras de ferro para evitar que você seja jogado pela porta aberta do outro lado e assim que começar a se estabilizar em algum lugar levante os braços e aguarde já com eles na posição correta, pois uma vez que a porta fechar, não será possível move-los e você precisará se segurar no teto para não cair. Quando o trem sair, esqueça o calor, esqueça o senhor de regata suando com os braços levantados e esqueça da mulher ao seu lado com um perfume francês adquirido na 25 de março, só não se esqueça de novamente se segurar em algo quando chegar ao Brás, pois grande parte das pessoas do vagão precisarão descer nessa estação para pegar o trem, e não medirão esforços para isso. Apenas o sinal sonoro do metro avisando que as portas se fecharão será sua redenção. Quando esse momento chegar, o vagão esvaziará o suficiente para você parar de maldizer a sua vida e curtir o resto da viagem até o tatuapé...

Onde você ainda terá que pegar um ônibus...

sábado, 9 de agosto de 2008

Problemas

Célia gostava de Carlos e queria compromisso, mas Carlos tinha um problema: Via defeito em todas as mulheres com quem se relacionava, defeitos que para muitos não era problema, mas que para ele tornava impossível a convivência. Alta demais, baixa demais, nariz de batata, gorda, magrela, dente encavalado, seis dedos, monocelha.....enfim, tudo era motivo suficiente para desatar qualquer laço mais íntimo, nenhuma das pretendentes parecia estar a altura das suas exigências. Até a marcinha, a menina mais cobiçada do bairro, ele dispensou. "Ela tinha os pés enormes", se defendia, quando criticado pelos amigos. Com a Célia tudo foi pelo mesmo caminho, desde o dia em que se conheceram no bar, apresentados pela Sônia, amiga dele de trabalho e dela de faculdade, que eles começaram a se ver regularmente e um mês depois, Carlos já começava a esfriar os ânimos. Não atendia o telefone, não mandava mais recados carinhosos e sempre saía pela tangente das investidas da garota, àquela altura apaixonada pelo mancebo. Até a Sônia, que não era de se meter, chegou a ligar para ele para perguntar o quê estava acontecendo, pois achava a Célia uma excelente pessoa, bonita, divertida e com intenções sinceras de namorá-lo. Não adiantou, Carlos estava irredutível, desde o dia em que viu aquela mancha nas costas da garota que não conseguia pensar em outra coisa. Tudo bem que ela tinha um dos sorrisos mais bonitos que ele já vira e que sabia de bate-pronto dizer quais eram os cinco primeiros colocados no brasileirão, mas a pinta estragava tudo. Nem era tão grande, coisa de quatro dedos, mas ainda assim era uma imperfeição, algo que ele simplesmente não conseguiria deixar pra lá. Os dias passaram, Célia desistiu e Carlos voltou à sua vida cotidiana, de baladas e relacionamentos sem futuro, até que ele conheceu Ana. Linda, rosto de miss, corpo de bailarina. Inteligentíssima, estudava Fisioterapia e trabalhava como voluntária em uma ONG, enfim, a mulher que ele sempre procurou finalmente apareceu. Se conheceram na faculdade, durante uma cervejada organizada pelo curso dela, onde ele tinha uma prima, amiga dela. Desde aquele dia, foi paixão instantânea e finalmente ele via uma luz no fim do túnel. Teria encontrado sua alma gêmea? Não saberia responder, mas queria acreditar que sim, afinal, nunca sentira nada daquilo por ninguém. Começaram a sair e os dois pareciam feitos um para o outro, gostavam de MPB, filmes com o Al Pacino, sorvete de pistache e Milk Shake de Ovomaltine do Bob´s. Carlos estava radiante, jamais pensara que um dia se apaixonaria tão loucamente por alguém, já fazia mais um mês que se viam todos os fins de semana e ele queria pedi-la em namoro. Mal via a hora de mostrar para os amigos que existia sim alguém perfeito e que ele havia achado e se apaixonado por ela, queria mostrar principalmente ao marquinhos, que espalhava pelo bairro o boato de que ele era gay.Naquele sábado ele a levaria para tomar um chopp e ouvir um samba na Vila, comeriam picanha e ele pediria a ela que fosse sua namorada. Sábado logo cedo ele ligou no celular da Ana e deu caixa postal, ligou na casa dela e a mãe disse que ela tinha saído. Carlos tentou ainda passar na casa dela a noite, levou flores e uma cópia do CD do Chico Buarque que ela tinha pedido, mas foi em vão, não conseguiu encontrá-la em lugar nenhum...

É que Ana tinha um problema...

domingo, 3 de agosto de 2008

FRÁVIOOOOOOOOOO!!!

FRÁVIOOOOOOOOOO!!! Vinha o grito lá do quintal. Sábado, 12:00, talvez mais cedo, eu levantava ainda zonzo de sono e corria escada abaixo em direção ao chamado. Ao chegar no quintal encontrava meu pai de bermuda, sem camisa, esfregando o chão com uma vassoura e uma caixa de sabão em pó, e xingando a Dolly, nossa cadelinha Cocker Spaniel que insistia a correr atrás da água que era atirada para limpar o piso de ardósia. "Cadela do inferno, pensa que é um pato", dizia ele. Realmente era a única dos 5 cachorros que nutria essa paixão pela água, os outros dois ficavam sempre o mais longe possível da mangueira. Quando eu chegava ao encontro dessa cena, já sabia que tudo que eu havia planejado para o dia - jogar videogame e assistir TV - iria ter que ficar para depois, a menos que eu conseguisse escapar. Quando me via, o velho falava " Vai, troca a água dos cachorros, põe comida para os papagaios e vêm jogando água enquanto eu esfrego!". Emburrado eu o seguia, tirando com a água o sabão do quintal. De vez em quando a água da mangueira respingava e eu ouvia " Fidum´aputa!!!!", mas não podia rir, senão azedava de vez. Durante todo o trajeto do quintal eu ouvia reclamações e xingamentos, vezes por não tirar o sabão direito, vezes pelo mal humor característico do meu pai. Chegado o fim do quintal, era a vez dos cachorros tomarem banho, e sobrava pra mim a tarefa de segurá-los enquanto ele pegava o sabão de côco para ensaboá-los. Se eles se mexessem demais ou respingasse muita água, eu era xingado, "SEGURA ELE DIREITO CARAIO". Depois de todos os animais de banho tomado, o quê algumas vezes também incluia o "mequetrefe" (nosso gato vira-lata que tomava banho a força no tanque, gritando e arranhando meu pai, que amaldiçoava até a quinta geração da familia do coitado do bichano), era hora do veio começar a lavar o carro. Minha função nesse momento era somente abrir e fechar a mangueira quando ele mandasse, com a rapidez que ele exigia. Sentado na escada, quando eu via que ele ia demorar até pedir minha ajuda novamente, pois o carro era grande e ele ensaboava com calma e cuidado, eu sorrateiramente subia ao meu quarto e começava uma partida, até que, cinco minutos depois o quarteirão inteiro ouvisse " FRÁVIOOOOOOOOOO MOLEQUE FIDUM´APUTAAAAA, JÁ SUBIU É?" Quando ouvia essa frase eu corria novamente, passava voando pela cozinha, onde minha mãe preparava o almoço e ria, se divertindo com a cena. Quando chegava no carro ele já estava azedo e reclamando sozinho " VOCÊ E SUA IRMÃ, VOU TE CONTAR. PARECE AQUELE DINOSSAURO REX, TUDO BRACINHO CURTO, NÃO TEM CORAGEM DE TIRAR A BUNDA DO SOFÁ.... AS CRIAÇÕES TODAS PATINANDO NA MERDA E VOCÊS LÁ, DE CUZÃO PRA CIMA. VAI, VAI LIMPANDO AS RODAS DO CARRO." e lá ia eu, lavar roda por roda, e bem limpas, para não ouvir ainda mais. Depois do carro devidamente lavado, era minha obrigação pegar todos os produtos utilizados no serviço, passar uma água e guardar, coisa que eu fazia tudo de qualquer jeito, afinal, minha mãe com certeza iria arrumar tudo depois, e me mandava para o meu quarto. Nem meia hora depois "FRÁVIOOOOOOOOOO", eu corria de novo e ele estava arrumando a tomada da cozinha, com a caixa de ferramentas do lado, virava e me falava "pega aí uma chave de fenda pro pai". Me perguntando porquê ele mesmo não tinha pegado, já que estava com a caixa de ferramentas do lado dele, eu procurava, entregava e me virava para voltar ao quarto quando ouvia "owww, onde você vai? vem dar uma mão pro pai" e me pedia outra ferramenta. Caso essa ferramenta não estivesse na caixa, ele me falava onde ela estaria e caso eu não achasse, ouvia outra frase clássica "Se eu achar posso bater com ela na sua cabeça?". Ele achava, mas não batia! Contrariado eu ficava olhando ele trocar os "espelhinhos" dos interruptores, até que chegasse um que faltasse um parafuso e eu ouvisse a temida frase "Pega aquela lata de parafuso pro pai?". a Lata de parafusos era uma antiga lata de tinta de mais ou menos 30cm de altura e 15cm de largura onde eram guardados centenas de parafusos e porcas e de todos os tamanhos possíveis. O motivo para eu temer a lata era simples: assim que a entregava, todo o conteúdo era espalhado no chão por ele, que escolhia uma das peças e me falava "Agora junta aí pro pai". Cada vez que ele espalhava aqueles parafusos, eu passava pelo menos 15 minutos para recolher tudo e guardar de volta na lata, tempo mais do que suficiente para ele achar outro "espelhinho" faltando um parafuso e esparramar a lata inteira no chão novamente. Essa sequência se repetia às vezes 3, 4 vezes por sessão, me deixando à beira da exaustão mental, até ser salvo pela minha mãe, anunciando a hora do almoço. Depois de comer eu finalmente conseguia correr para o quarto para ter momentos de paz para jogar videogame, até ouvir...

"FRÁVIOOOOOOOO". Faltava trocar os espelhinhos dos interruptores dos quartos, e um deles faltava um parafuso...