quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Salada




Sou contra o conceito de salada. Do meu ponto de vista, comer algo que tem o mesmo cheiro e textura dos capins que crescem nos terrenos baldios não é só estranho, mas antinatural. Tirando a Ema, que tem o cérebro menor do que o olho e outros animais retardados pela sua natureza, toda a teia alimentar é definida quando o assunto é a refeição; uns são herbívoros, outros carnívoros e ponto final. Experimente jogar sangue na água do mar e, ao ver o tubarão se aproximar, jogue uma bacia de alface com tomate. Não só ele não vai comer como desconfio que pulará em cima do barco para te pegar,pela afronta. Em outro extremo, ofereça um pedaço de bife ou uma costela no bafo a uma girafa. Claro que a reação da pescoçuda de boa índole será muito mais branda que a do tubarão, mas com certeza ela negará (Em caso de se perguntar o porquê de eu ter usado uma girafa como exemplo, lembre-se que se usasse uma vaca eu ainda estaria cometendo o crime de oferecer a costela de um parente à coitada.). Tendo isso em mente, não consigo entender como a espécie humana pode acreditar que precise comer de tudo para ter saúde. Não que eu ache que as pessoas devam escolher entre ser herbívoros ou carnívoros, muito pelo contrário; pra mim, a resposta é óbvia: Somos carnívoros predadores. Nascemos para comer carne e nossa inteligência pode nos trazê-la sem maiores complicações. Há milhares de anos que não precisamos caçar e o mais perto que chegamos da luta pelo alimento é a briga pelas coxas do frango assado no almoço com a família. Porém, nossa fisiologia continua quase a mesma e temos as mesmas necessidades. Nossos dentes são feitos para cortar carne, nosso estômago não consegue processar saladas e o cheiro de coisa doce ou gordurosa é respondido pelo nosso corpo com saraivadas de saliva. Uma herança bizarra e cruel? Pode ser, mas não nos cabe discutir nosso legado, apenas aceitá-lo. Apesar dessas evidências, vivemos na era da conscientização; na geração saúde, onde um prato de cupim é deixado de lado por algumas berinjelas. Nutricionistas, médicos e todo um rol de pessoas estudadas e inteligentes dizem todos os dias que devemos sim comer salada para, talvez, vivermos mais. Comigo não é diferente, tenho uma irmã médica e em todas as refeições que fazemos juntos sou compelido amigável e simpaticamente a comer algumas folhas de alface e rodelas de tomate. De vez em quando não faz mal, reconheço, mas quando estou sozinho sempre passo longe da parte verde do almoço. Quer dizer, quase sempre, pois se tem uma coisa que odeio mais do que salada, é deixar de comer alguma coisa que veio junto com o prato que eu paguei; me sinto fazendo desfeita e com isso eu não consigo conviver.

Tenho grandes problemas para arrumar lugares para almoçar. Quando se trata da hora do almoço no serviço então, nem se fala. No meu primeiro emprego já cheguei a ficar toda a minha hora de almoço rodando pelas ruas ao redor do prédio, colocando defeitos em todos os lugares e voltar pra trabalhar com fome. Já passei inclusive cerca de três meses comendo somente no Mcdonald´s por não saber aonde ir. Hoje em dia não é mais assim e quase não existem critérios para escolha do local para o almoço, mas confesso que ainda tenho algumas manias.

Alguns dias atrás me sentei à mesa de uma padaria, pedi o cardápio e escolhi o filé a parmegianna. Por ser a minha primeira refeição no local, considerei esse prato um bom ponto de referencia no que diz respeito à qualidade da comida, pois de Filé à Parmegianna eu me gabo de entender. Contudo, uma pergunta feita pela garçonete me fez vacilar: “ O senhor quer qual salada?” Temendo ser ridicularizado pela garçonete por não conhecer os tipos de salada fiz a pergunta que me pareceu mais natural “ Quais as opções?” Eram duas: Alface, tomate e cenoura e a outra de maionese com ervilha, cenoura e um monte de outras coisas. Escolhi a primeira. Cerca de dois minutos após ela me deixar, voltou com meu refrigerante, um pratinho com a dita salada e uma cestinha com um pão francês. Contente com a agilidade do serviço eu enchi meu copo de refrigerante e esperei pela segunda parte do almoço, que conteria meu filé. Para meu desespero, ele demoraria algum tempo para ficar pronto e naquele instante eu me vi sozinho com aquela salada e pãozinho. Afim de não parecer um doido que fica olhando para a comida e não faz nada, eu peguei meu garfo, espetei uma folha de alface e meti na boca... Surpresa! estava com gosto de papel, mais do que de costume, o que me deu a idéia de que talvez estivesse destemperada, coisa que eu não tinha a mais vaga idéia de como fazer. Perguntar para a garçonete estava fora de opção, sob pena de ser tratado como um retardado pelo resto do almoço. O que me restou, enfim, foi analisar o que tinha na mesa e usar de acordo com meu bom gosto. Encostados no canto havia um saleiro, um paliteiro e duas garrafinhas: azeite e vinagre. Sem saber qual deles era usado para temperar, decidi usar um pouco de cada e rezei a Deus para não ter uma diarréia. Peguei o pãozinho, cortei metade, abri no meio, coloquei uma folha de alface, uma rodela de tomate, coloquei azeite, vinagre e sal e dei uma mordida. Nem de longe foi a coisa mais gostosa que eu já comi, mas já não tinha gosto de papel e descia razoavelmente bem. Terminado o pão, as últimas folhas e pedaços de tomate com cenoura desceram somente com um aumento substancial na dose dos temperos e empurradas com goladas vigorosas de coca-cola gelada. Não consigo confessar como fiquei feliz quando vi a bandeja terminada, embora tenha terminado com a garrafinha de refrigerante inteira para tirar o excesso de sal da minha boca.

E nesse momento chegou o Filé!

Nenhum comentário: