quarta-feira, 25 de junho de 2008

Decisões

Tem momentos que são decisivos, onde somos compelidos a agir sem tempo para pensar. Nesse tipo de situação a única opção é escolher uma das disponíveis e ir em frente, quase como chegar a um entroncamento na estrada estando a 140km/h: esquerda, direita ou guard-rail, escolha! Àqueles que dizem que o homem quando age por instinto ativa uma espécie de “sexto sentido” que aponta instantaneamente a saída certa, eu, em verdade, vos digo que estão errados. Geralmente, quando é necessário que façamos uma escolha por instinto, fazemos a errada, ou menos acertada, dependendo das conseqüências. Mas tudo bem, ninguém é obrigado a pensar rápido agir e acertar 100%. O problema é ter tempo para pensar, planejar a ação, executar... e fazer merda. Grande problema para os outros, para mim é rotina.

Em um domingo cedo qualquer, desidratado pela ressaca e sem um centavo no bolso para tomar uma água, a pior decisão que poderia ter tomado era a de passar no shopping para sacar alguns trocados. Foi a que tomei. O horário era entre 10 e 11 da manhã, não mais, o estabelecimento meio vazio, apenas alguns vendedores sonolentos se recostavam às portas das lojas, esperando algum eventual cliente madrugador. Subi os três lances de escadas rolantes em direção ao caixa eletrônico, tirei o dinheiro e peguei o caminho de volta, parando ocasionalmente para olhar alguma coisa que me chamasse a atenção em uma das centenas de vitrines. Dois lances abaixo depois, e fazendo a volta para a terceira descida, tive o meu caminho cortado por uma senhora que levava uma criança no braço direito e carregava uma pamonha na mão esquerda, se encaminhando na mesma direção que a minha. Mesmo abalado pelo sono e pela ressaca que já começava a trazer sua dor de cabeça característica, eu consegui antever que algo daria errado. Ao pisar na escada rolante, a velha senhora desequilibrou, desequilibrou a criança e a pamonha balançou, mas se mantiveram os três no degrau, 100% verticais. Dois degraus acima estava eu, e durante o percurso de descida percebi que a saída daquela escada seria bem menos suave do que a entrada. Sentindo a mesma responsabilidade que abateria o Homem-Aranha ou o Superman, mas com a ausência dos superpoderes e com os movimentos mais lentos do que os de um ser humano normal por conta da rebordosa, eu não me deu conta de que não conseguiria salvar os três, como fariam facilmente qualquer um desses heróis. Logo, teria que escolher entre a velha senhora, a criança ou a pamonha. Salvar só a pamonha deixaria a cena parecendo um roubo em área rural, onde o meliante atropela a velhinha, rouba a pamonha e corre para o mato, a fim de se deliciar com os espólios da ação, e definitivamente aquela não era a minha intenção. Faltava pouco para terminar a descida e eu ainda não tinha me decidido entre salvar a senhora ou a criança, embora soubesse que a decisão deveria ser tomada de qualquer forma. Se abster não era uma opção. Antes que os últimos gomos de metal da escada rolante adentrassem abaixo do piso eu me decidi: salvaria a criança, afinal, a velha já tinha vivido bastante e provavelmente agüentaria melhor o “knock down”. Com isso em mente, era somente aguardar. Quando a senhora pisou para fora da escada, tudo que eu imaginei aconteceu: O pé esquerdo usado para sair na escada rolante, o peso da criança no braço direito e a mão esquerda inutilizada por segurar a pamonha foram os principais agentes de desequilíbrio, que se combinaram à falta de força da anciã em uma perna só e a gravidade, que não tira folga nem aos domingos de manhã, para levar os dois ao chão. Só não foram os dois por conta da minha intervenção rápida e enérgica , que puxei a criança no ultimo segundo, dei um salto e aterrissei em uma área segura, um metro a frente a tempo de ouvir a velha senhora e a pamonha se chocarem contra o piso laminado do centro de compras. Sentindo-me um herói, com a criança chorando em meu braço como um troféu pelo salvamento, esperei pelas congratulações. Alguns dos passantes pararam e ajudaram levantar a senhora, que limpou na blusa os restos esmagados do doce de milho e veio na minha direção para reaver o rebento e, na minha cabeça, me agradecer por pensar rápido e salvá-lo de alguma severa escoriação. Ao contrário do que minha cabeça me dizia, a senhora me olhou feio, assim como todos que a rodeavam, tomou a criança de meus braços com truculência e saiu pisando duro e praguejando, provavelmente contra mim e por ter perdido a pamonha.

Sem saber se agi certo ou errado, ou o que outra pessoa faria em meu lugar eu saí e fui atrás de uma garrafa d´agua, afinal, a ressaca já estava pegando forte...

Um comentário:

Anônimo disse...

Passou, em algum momento, pela sua cabeça "simplesmente avisá-la". Aprendi que as pessoas não gostam muito de ajuda... a não ser que essa seja financeira!
Mas, por desencargo que seja, você é meu herói!