quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A entrevista



O despertador toca às 6, você tem que estar em um lugar de São Paulo que você nem conhece às 8 e de maneira nenhuma pode se atrasar. Levanta, toma um banho pra tirar a cara de travesseiro, escova os dentes e coloca o uniforme, composto de camisa e calça sociais e um sapato, come um pedaço de pão e deixa sua casa com a mente focada na missão que está por vir: Uma entrevista de emprego.

Escrito em um papelzinho no bolso está o endereço da empresa, nome da entrevistadora e os nomes dos dois ônibus que você vai ter que pegar para chegar lá. Por mais sonolento que esteja, afinal fazia tempo que você não sabia que existia vida antes das 10, você não irá dormir no ônibus, pois pode errar o ponto de descida do ônibus e perder o horário. Quando finalmente, uma hora depois, você chega à empresa, você está trinta minutos adiantado no horário e já sobe confiante de que cairá nas graças da entrevistadora por ter sido mais que pontual. Infelizmente o que se verifica depois é que você está competindo com um bando de desesperados que provavelmente dormiram na porta do prédio. O próximo passo é avaliar a concorrência. Até ali sem problemas pois você está competindo com um cara de ”All Star” e barba por fazer e outro que está vestido exatamente como você, que é inclusive até parecido. Ou seja, se continuar naquele páreo, suas chances são grandes. De canto de olho você percebe que o hippie pegou uma “contigo” e o seu sósia o caderno de esportes do jornal de ontem pra ler e você, para não ficar por baixo e até sair com alguma vantagem, você pega uma “veja”, faz cara de entendido e finge que está lendo o furo de reportagem do século esperando que a entrevistadora entre naquele momento e tome nota, o que não acontece. Passados alguns minutos do horário marcado, você vê entrar uma menina de aparentemente 17 anos, vestida para um show de pagode, que não sabe nem pra qual vaga é a entrevista e resolve perguntar a você. Com um meio sorriso você se mostra um bom cidadão e explica, já marcando a loirinha como carta fora do baralho. Já se passaram quinze minutos desde as 8:00 e a entrevistadora aparece sorridente dizendo para esperarmos um pouco mais pois ainda faltam alguns candidatos que devem estar presos no trânsito. Todos em uníssono respondem com o sorriso mais simpático que conseguem fazer as 8 da manhã: “claro, sem problemas”. Entediado com a espera, você puxa papo com a loirinha, que está com cara de quem ainda não descobriu o que foi fazer lá. Descobre que ela mora longe, acabou de começar a faculdade e que a experiência anterior dela no mercado de trabalho foi vendedora no shopping. Ela provavelmente perguntará as mesmas coisas pra você e você dirá de modo educado e humilde que mora em um bairro mais próximo de lá “aqui do lado”, estuda a mais tempo “estou quase terminando” e que tem tanta experiência em jornalismo que se o Willian Bonner um dia passasse mal, a Globo te ligaria correndo. Além de abalar psicologicamente e ganhar a simpatia da loirinha, você deixará no ar para os outros candidatos, que estão com certeza ouvindo, um sinal de que é uma pessoa difícil de ser batida. Depois de dois candidatos entrevistados, abrem a porta da salinha e você está anotando o MSN da loirinha, mas rapidamente se vira e identifica o vulto da entrevistadora acompanhada de um rapaz. Ela chama seu nome e quando você se levanta pra sair e enfrentar a mulher, entra o ultimo candidato: Um jovem vestindo um terno sob medida, provavelmente um “Hugo Boss”, e com cara de inteligente. Você prefere pensar que ele foi pra lá pra comprar o escritório e não pra se candidatar a nada, mas não tem tempo para averiguação e vai para a sua entrevista sabendo que tem naquele rapaz, um oponente de peso.

Sentado em frente à entrevistadora você tenta se mostrar o mais a vontade possível e sorri o tempo todo. Fala dos seus antigos empregos e quanto aprendeu com eles, responde de imediato quando ela pergunta se você aceita a mixaria que eles oferecem para arrancar o seu couro “Sim, claro”, mostra que sabe fazer de tudo e que o que eventualmente não souber aprenderá depressa, pois é alguém de garra e fibra. O tormento só acaba quando você ouve “Então é isso Flávio. Nós entraremos em contato.”. Antes de sair você ainda tenta dar uma ultima olhada nos outros candidatos, mas passa muito rápido pela saleta onde eles estão e não consegue ver ninguém. Dalí, só te resta ir pra casa e esperar.

Dias depois, sem ter recebido ligação nenhuma e conversando pelo MSN com a loirinha, que você descobre que estava na entrevista sem saber nada por que havia sido indicada de última hora pela recepcionista da empresa, você descobre também que entre o seu sósia e o Hugo Boss, quem agora trabalha como estagiário na empresa é o Hippie.
Maldito jornalismo!

Um comentário:

Anônimo disse...

Só não mostra o seu post pra loirinha 'vestida para um show de pagode' rss!

Se preocupou com quem não deviiiia rs. Só vc viu rs!
Bjão