sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Sementes do futuro

Ser professor é uma atividade que exige paixão, mas ser professora de maternal exige coragem. Tomo como exemplo a escola onde meu sobrinho passa o dia. A impressão que tenho é que dos muros pra dentro, aquele estabelecimento é uma espécie de Faixa de Gaza onde mais de 15 mini-terroristas disputam palmo a palmo quem consegue enlouquecer primeiro a professora. Me lembro da única oportunidade que tive de ver esse circo montado. Em um sábado no horário de almoço, fui informado pela minha irmã que meu sobrinho iria “apresentar um trabalho” na escolinha e que ela não poderia comparecer e se eu poderia fazer o favor de levar e acompanhar a apresentação. “Claro”, disse eu, e por ai a saga começou.

Para começar, a semelhança física com meu sobrinho faz com que todos pensem que eu sou o pai e me olhem com aquela típica expressão de quem diz “viu só? Não usou camisinha, é nisso que dá”. Não que eu me importe, mas juntos, nós dois viramos praticamente atrações de circo, vigiados o tempo todo pelos outros pais, que desconfio até tapam os olhos das suas crias para que não vejam o suposto mau exemplo. A confusão continua com as coordenadoras, mas elas geralmente são simpáticas com o "pai de primeira viagem".

Depois de entrar na sala, percebi que eu era o único “pai” que não estava com uma máquina fotográfica. Todos os outros tinham e não paravam de fotografar um segundo sequer. Tinha um inclusive, que tinha uma máquina fotográfica enrolada em uma mão e uma filmadora na outra. Com aquele mar de “flashs” em cima das crianças, eu não sabia o que fazer e uma das professoras percebendo isso veio me mostrar os trabalhos que meu sobrinho realizou durante o bimestre. Não sei se é a falta de vocação pra paternidade, mas confesso que tive que me mostrar bem mais empolgado do que estava, pra isso segui o exemplo dos outros pais: Peguei o meninão no colo e fiz um monte de perguntas sobre o boneco com cabelo de grama que ele montou. Claro que ele não respondeu nenhuma, pois as professoras devem ter feito 80% do serviço, mas o ato serviu para me integrar ao ambiente. Depois de alguns minutos as professoras chamaram a atenção dos presentes, dizendo que iriam iniciar a apresentação. Fomos todos para o fundo da sala, onde tinham alguns vasinhos e regadores de plástico alinhados. O trabalho consistia em enfileirar as crianças em frente aos vasos e dar-lhes uma semente, que seria plantada enquanto elas falavam uma frase mais ou menos assim: “Com essa semente, novas arvores vão nascer e no futuro vão crescer”. Simples, bonito e teoricamente rápido. As professoras então posicionaram as crianças e eu fiquei no canto, ao lado de uma das coordenadoras para não atrapalhar as máquinas fotográficas e ter uma visão privilegiada do espetáculo.

A apresentação começou e as crianças à medida que recebiam as sementes, na mesma hora as colocavam no vaso sem esperar pelo aviso e a professora tinha que dar outra e explicar que tinha que ficar segurando. Depois da décima criança, eu percebi uma certa revolta no rosto da coordenadora, mas fiquei na minha. Depois de uns 20 minutos ela finalmente consegue deixar todos os alunos com sementes nas mãos e então pede que eles coloquem nos vasos e repitam a frase que eles ensaiaram. O balanço foi esse: Das 20 crianças, 10 colocaram a semente no vaso e não falaram nada. 3 falaram, mas não colocaram a semente no vaso. 7 não colocaram a semente no vaso e nem falaram nada. No meio desse último grupo estava meu sobrinho. Tentando dar um ar bem humorado à cena, eu me virei para a coordenadora e falei “ Houston, we have a problem!”. Não sei se ela não entendeu, ou se entendeu e pensou que eu estava fazendo pouco do método de ensino da escola, mas de qualquer forma, ela ensaiou um sorriso amarelo, disse algo como “tinha que ver no ensaio, eles fizeram direitinho”, saiu do meu lado e foi para o lado do pai com a máquina fotográfica e a filmadora, que provavelmente estaria ocupado demais para fazer qualquer piadinha com ela. Na segunda tentativa as coisas foram muito melhores: 13 a 7 para as professoras e em respeito às 7 crianças que não se dobravam ao sistema, entre elas meu sobrinho, eu comentei com a mãe que estava do meu lado,: “ viva la revolución”. Ela também não entendeu e eu senti a necessidade de aprender novas piadinhas que fossem mais coerentes com esse novo mundo. Não houve uma terceira tentativa para o trabalho. Vencidas pelo cansaço, as coordenadoras sorriram todas amarelo para os pais babões e relembraram com orgulho do ensaio, botando a culpa pelo fracasso em algum suposto embaraço das crianças de falar em público. Terminado o trabalho eu rapidamente cheguei ao ouvido do meu sobrinho e falei “vamos pra casa?”, o que ele respondeu com um sorriso de cumplicidade. Lembrando-me então da época que meu pai ia às minhas reuniões de escola e não queria ouvir dos professores que eu era um vagabundo, eu cheguei à professora do meu sobrinho e disse com uma cara de chateado: “ Professora, infelizmente a gente não pode ficar, porque a mãe dele está trabalhando e eu tenho uma viagem marcada para as 4 da tarde.” Ela fez uma cara de tristeza e se virou para cumprimentar meu sobrinho, mas ele já estava fora da sala me chamando. Como um bom pai eu dei a mão para a professora, fiz uma cara de “Essas crianças”, peguei a mão do meninão e passei novamente pelo corredor para ser discriminado pelos outros pais, trazendo na mão o boneco de grama e uma dúzia de cartazes.

E que venha a festa de natal

Um comentário:

Pensamentos disse...

Houston, we have a problem...
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
ai flavio,vc consegue!